Texto | Monique Evelle
Um dia desses, mais precisamente num domingo trágico (pessoalmente), recebi uma mensagem nas redes sociais. Nada diferente do que costumo receber com frequência, mas dessa vez resolvi compartilhar com vocês.
Uma pessoa que acompanha meu trabalho, pelo menos o que pontuou foi isso, iniciou um texto sem perguntar se estou bem. Quem acompanha meu trabalho sabe que sempre compartilho conteúdos sobre a importância das pessoas perguntarem a situação de quem está do outro lado, antes de falar ou pedir qualquer coisa. Ainda mais agora que estamos no pior momento da pandemia. Mas enfim.
A pessoa, aparentemente que se considera aliada (pessoa não negra e não indígena que acredita na luta antirracista e tenta ser antirracista diariamente), trouxe questionamentos sobre uma empresa que divulguei nas redes sociais. Tudo bem até aí. Mas lembrem-se: foi num domingo trágico (pessoalmente) e que não fui perguntada em nenhuma parte do texto como eu estava. Logo, qualquer coisa que eu respondesse sobre estar bem ou não, não iria importar tanto quanto os questionamentos trazidos até então.
Um dos primeiros questionamentos, veio com uma frase antes se utilizei os serviços da empresa para ser tão bem sucedida. Confesso que essa frase me fez dar uma risadinha no meio do caos de domingo. Nunca imaginei que precisaria utilizar todos os serviços ou produtos de todas organizações que conheço para reconhecer a seriedade e o comprometimento das mesmas. E não sei se você sabe, mas ninguém, absolutamente ninguém utiliza única fonte de conhecimento para ser, como a pessoa disse, tão bem sucedida.
Outro ponto que me chamou atenção foi a pergunta sobre o que eu recomendaria. Se a pessoa realmente me acompanha, deve ter visto que já tinha recomendado algumas (muitas) vezes qual seria o serviço ou produto recomendado para quem está em determinada situação. Mas o problema não é esse. Eu não conheço a pessoa e ela não se apresentou. Não posso recomendar nada individualmente. Posso aconselhar o lugar para encontrar opções plurais. E é isso que costumo fazer.
Em seguida, o questionamento trazido foi se eu faço parte da organização. Infelizmente não consigo me desdobrar em milhares de pessoas (e nem quero). Mas ainda bem que utilizo os serviços e tenho um ciclo de pessoas que confio, sobretudo amigos de profissão, amigos e amigas da vida e, por acaso, um companheiro de amor e negócios que me auxiliam na vida pessoal e profissional e não a internet. Senão nem conseguiria trabalhar, apenas iria reagir ao outro.
Teve um questionamento interessante e gostei. Ele se referia ao porquê de ter divulgado ou compartilhado. A parte boa é que tem vários porquês para toda minha jornada pessoal e profissional. A parte ruim (não pra mim) é que não vou ficar abrindo todos os bastidores das minhas decisões num domingo trágico. E teve a pergunta sobre diversidade, claro, que deveria ser direcionada a organização principalmente e não a mim. Mas sou uma mulher preta que divulgou a organização, compreendo. Então todos os fardos virão.
Por fim, teve uma pergunta excelente sobre como isso transformaria a sociedade. O que me tranquiliza é saber que somos interdependentes e não será uma única pessoa, organização, empresa, coletivo etc que irá resolver o problema da humanidade. E pessoas, organizações, coletivos etc têm formas diferentes de se movimentar no mundo e isso não significa que a sua forma esteja errada. Em algum momento esses múltiplos movimentos podem se encontrar ou não e tudo bem.
Sem contar a frase maravilhosa no final do texto.
Desejo e necessito que você continue em sua caminhada e nunca se perca dela […] Ele estava ligadíssimo e não se perderia no caminho.
O ele ligadíssimo era um outro ser (incrível e que conheço) que foi citado como forma de comparação. A pessoa compartilhou uma frase dele e deduziu que ele não se perderia no caminho. Ou seja, o poder da fala que a gente quer ouvir. É realmente muito mais fácil concluir que alguém não irá se perder no caminho (que outro acredita ser o certo e único possível) a partir de algo que a gente quer ouvir.
Ainda bem que tenho bastante escurecimento e clareza que eu posso e quero seguir caminhos múltiplos. Só que a branquitude não permite esse lugar de humanidade para pessoas negras, mulheres negras. Ele (uma terceira pessoa que foi mencionada na conversa) é brilhante. Mas eu não sou ele né e que bom. Que bom que pessoas negras são diversas , que excelente que pessoas periféricas são totalmente diferentes e, se você é uma pessoa que aparentemente é aliada, deveria saber disso.
Foi maravilhoso receber essa mensagem num domingo trágico para comemorar que tenho meu ciclo de mais velhas, mais velhos, mais novas e mais novos que me acolhem quando preciso e quando não preciso.
Aliado não consegue visualizar pluralidade na coletividade, por isso há quem esteja no caminho certo e a quem não. O que é certo? Um única visão de mundo? A sua?
Está permitido amar Martin Luther King e Malcom X da mesma forma ou só um deles foi e é importante para o que chamamos de luta?
Aliado é uma categoria totalmente instável e, num domingo trágico como foi o meu, trará fardo disfarçado de questionamentos de responsabilidade.
Você pode não concordar com o que faço, mas acreditar que o único caminho certo é esse ou aquele, diz mais sobre você do que eu.
E se você também se considerada aliado ou aliada, não sei se é importante essa informação, afinal você não me perguntou, mas não estou bem hoje.
Se você, a pessoa que me escreveu estiver lendo, estiver lendo este texto saiba que não foi feito para você. Não se preocupe. Você foi apenas um gatilho, triste, mas foi um gatilho.